terça-feira, 22 de abril de 2014

Bernardo

Querido Bernardo,
Quero crer que nesse exato momento você está num lugar muito melhor do que aquele em que viveu seus últimos anos, já em companhia de sua mãe.
Sofri por você, assim como sofro ao saber de cada um que passa pelo que você passou. Mas por você sofri muito!
Seu pai é meu colega de profissão e muito respeitado na cidade em que vocês viviam. Nunca fui atrás de prestígio. Gosto de deitar minha cabeça no travesseiro todas as noites com a certeza de que fiz o melhor que pude, independente de ter sido na comunidade carente onde presto atendimento ou no consultório do Centro da cidade. Como mãe então! Minha vida é tentar fazer com que meus filhos sejam felizes... Dinheiro, não tenho... Geralmente ele acaba antes do mês, mas quem não vive assim nos dias de hoje, não é meu filho?
Permita que chame você, Bernardo, de filho... As duas crianças que saíram de dentro de mim amo profundamente. Tenho também crianças ao meu redor durante todo o dia, durante toda a semana e eles são um pouco meus filhos, porque me preocupam e tenho por profissão zelar pelo bem estar delas. Então por que não poderia também ter você entre meus amiguinhos queridos?
Tantos em sua cidade agiram como pais com você, que já não tinha sua mãe por perto: acolheram, deram cama, comida e carinho; coisas que deveriam ter sido providenciadas e supridas pelo seu pai e sua madrasta.
Já deixei claro aqui que presencio formações familiares das mais variadas e vejo, sim, muitos pais que ao separarem ficam sem ver os filhos, não pagam pensão alimentícia ou até somem, negligenciam mesmo. A população que assisto é muito carente, até de afeto. A velha de desculpa de que quem não recebeu não sabe dar... Mas daí a ser conivente com um crime!! Confesso que nunca vi...
Não vou me deter na sua abominável madrasta, que segundo consta, não deixava você chegar perto nem da sua irmãzinha... O que me intriga é seu pai. Será que ele nunca viu suas roupas? Não sentia falta de fotos suas junto com a família? Não gostaria de estar com você em festas da escola?
Sinto dizer que seu maior algoz foi seu pai... Porque ele permitiu que tudo isso acontecesse e não mexeu um dedo. Ao ser convocado pela Justiça pediu uma chance e foi atendido, já que ninguém jamais suspeitou que sua vida corresse risco. Lógico! Quem poderia supor que o doutor e sua bela e loura esposa fariam alguma coisa contra você?
Mas agora seu sofrimento, pelo menos para você, é passado.
Resta a quem ficou tentar entender...
Resta a Justiça abrir mais os olhos da próxima vez que for procurada por uma criança...É fato mais do que sabido que criança não mente.
Resta a saudade dos seus colegas...
Resta a dor de sua avó...
Resta a Justiça ser feita.

Descanse em paz, meu querido.
Um beijinho,

Lela.

Leia também: Famílias, filhos, mães
                     Nó desfeito




Um comentário :

  1. Oi Gabriela, ontem eu também vi todas as reportagens sobre o caso do Bernardo. Fiquei com um nó no estômago. Pensei no que eu poderia ter feito...mas eu nem conhecia ele, ou o seu sofrimento. Mas pensei na Justiça...será que os promotores não poderiam ter evitado. Poderiam ter dado a guarda, mesmo que provisoriamente para a avó....e aí o pai e a madrasta ficariam felizes com a ausência dele e...tudo ficaria resolvido. Ele vivo com a avó ou os amigos que ele chamava de família. Mas eu penso que o dinheiro pode ter sido a motivação. Primeiro a mãe, depois o filho, e nada seria repartido com ninguém...enfim...a ganância. Imagino sua responsabilidade ao contato com muitas crianças, todos os dias. A pediatra dos meus filhos cuida de mi, acredita? Ela me ajudou com meu tratamento com o diabetes e sempre pergunta como eu estou. Sabe que minha saúde influencia a saúde das crianças. E isso é MARAVILHOSO!!!!. Que Deus o envolva em seus braços e que a justiça seja feita, na Terra ou .....

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