sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Maria de Lourdes

Maria de Lourdes nasceu em 1905 numa família que ao todo era de 12 irmãos. Era filha do dono do cartório e de uma senhora que foi professora nesse pequeno distrito de Minas Gerais, São Sebastião da Estrela. Nasceu em casa, como era hábito na época.
Em setembro, dia 29. Dia de São Miguel.
Teve por padrinho o primogênito homem, orgulho da família por ter estudado e virado doutor; tinha verdadeira adoração por ele e pelo nome dele, que considerava lindo, Hordomundi (Isso lá é nome?? O corretor fica tentando corrigir isso e não consegue).
Era muito amiga do irmão imediatamente abaixo dela, Juvenal; e vivia entre tapas e tapas com a caçula, que dizem por aí, era a preferida da mãe e aprontava todas.A irmã mais velha e adorada era Júlia.
Mas eles era muitos: Hordomundi, Maria da Conceição (Cicinha), Sebastião (Tatão), Oraida, Colimério (olha o corretor tentando...), Julia, José, Antônio Carlos, Maria de Lourdes, Juvenal e Maria do Rosário. Um morreu bebezinho, mas era contado como irmão. Então era aquela toada dos mais velhos irem cuidando dos mais novos, assumindo responsabilidades. A diferença entre o primeiro e o último irmão era de mais de 20 anos.
Meninas desde cedo aprendiam as prendas do lar, a bordar, fazer crochê, costurar; e os meninos eram logo engajados em qualquer coisa que pudesse ajudar em casa, porque afinal de contas eram muitas bocas.
Pois bem, o tal do padrinho resolveu que Maria de Lourdes iria estudar numa boa escola; era doutor delegado numa cidade do Sul de Minas e levou a menina para estudar interna em Campanha, no Colégio Sion, local onde moças ricas e finas estudavam. E lá foi ela. Pegou o trem na estação de São Sebastião, depois o ramal e foi baldeando para uma nova e totalmente desconhecida vida, deixando para trás os pais, a amiga Rosa, as brincadeiras na Saudade, a casa, a dindinha Malvina e a irmã que era seu desafeto.
Naquele tempo filho não tinha vontade, criança obedecia e pronto. Mulher não tinha vontade, não tinha direito, não votava, às vezes nem escolhia marido. E numa família pobre, essa oportunidade foi uma dádiva.


Maria de Lourdes aprendeu francês, pintura, piano, além das coisas que iria precisar na pequena São Sebastião. Talvez tenha sido nessa viagem que ela aprendeu a ter coragem. Descobriu Papai Noel no colégio de freiras, vislumbrou uma possibilidade: voar.
Mas as asas foram cortadas. Ao terminar o colégio, recebeu proposta de ser tutora de uma moça de família rica, mas sua mãe não permitiu que ela aceitasse, disse que precisava dela em casa. E ela voltou. Era muito saber prá pouco lugar, mas quem disse que mãe era pra ser desobedecida. Muitos anos depois, alguns irmãos ainda falavam do "crime" do Padrinho: dar aquela educação, abrir um mundo de possibilidades, chegar a abrir a porta da gaiola e quando a passarinha ia voar, fechar de novo a portinhola. Mas é disso que é feita a vida, planos.


Maria de Lourdes voltou. Deu aulas, teve muitos alunos pelas bandas de lá. Amada por uns,por outros nem tanto. Ajudou a mãe, aprendeu o ofício do pai, já que nenhum filho homem ficou por lá. Viu vários sobrinhos nascerem, ajudou o quanto pode a irmã Julia e a cunhada que enviuvou do seu irmão-amigo Juju.
Ela que tinha ido, voltou e ficou. Dizem mesmo que era a filha preferida do pai e a menos preferida da mãe, que nunca se conformou da sua eleita (a caçula) não ter tido a mesma formação.
Casou com Manoel já mais velha, a mãe já havia morrido. Foram morar na casa, junto com o Seu João.Tempos depois veio a filha, mais uma Maria Adelaide para homenagear a mãe falecida, também nascida na mesma casa e no mesmo quarto. E foi a única, por motivos desconhecidos.
Manoel era nervoso e moralista. Havia saído de casa por causa de uma irmã "que se perdeu", havia sofrido uma derrocada nos negócios e na vida e acabou herdando o cartório quando do falecimento do Seu João, anos mais tarde e esse era seu ofício junto com a esposa.
A vida fez Maria de Lourdes ser forte, trabalhar, ajudar, apoiar, mas essa fortaleza foi traída mais uma vez, agora pelos pulmões: Tuberculose.
Tuberculose já havia matado Juju, e agora a levava para um sanatório, para longe da única filha, que foi entregue a parentes e nunca conseguiu superar as coisas que vivenciou enquanto a mãe esteve doente. Mas ela ficou curada.
Mais uma vez conseguiu e deu uma volta no destino. E voltou.
Maria Adelaide ficou, mas com um outro tio, Tatão, sua mulher (a terceira) e com Fernando, um priminho danadinho que cismava que ela se chamava Ié Ié.
Um dia ela enviuvou. 1963. Reviravoltas da vida levaram de vez Maria de Lourdes para longe de São Sebastião, agora Estrela Dalva. Sem o cartório, sem pensão do marido que não chegou a ser aposentado, ela mais uma vez saiu. O destino dessa vez: Rio de Janeiro.
Eram as duas agora no apartamento alugado no Engenho de Dentro: a mãe e a filha; pela primeira vez em muito tempo.
Daí para outro apartamento, próprio. Depois para São Paulo, quando Maria Adelaide casou;BH, onde viveram por um ano; e de volta ao Rio com dois netos.
A filha trabalhava,o genro trabalhava e ela ajudava com as crianças. Era muito rígida, muitas vezes rude, como devem ter sido com ela. Mas tinha a responsabilidade de cuidar de filhos que não eram dela; de seguir regras que não foram feitas por ela; num mundo novo, mudado, diferente. Reclamou muitas vezes não ter carta branca para agir como deveria e botar os meninos na linha...Tinha um gênio do Cão.


Tinha adoração pelo neto. Sempre viveu num ambiente masculino, em que teve que se impor e numa época em que mulheres não se impunham. Reclamava que a menina era lerda. Botava prá estudar, levava em natação, balé, inglês;ia às reuniões da escola, esperava o ônibus escolar com os meninos.
Um dia, com os meninos mais crescidinhos, a filha aposentou e assumiu essas responsabilidades. Então ela aposentou também: despiu a capa de tutora e botou a roupa de avó, coisa que fazia apenas de vez em quando durante as férias.
Aí ficou bom para todos os envolvidos: Maria de Lourdes fazia um feijão como ninguém, uma goiabada!! Dava cantinho para a neta, que revelou que não era tão lerda assim e tinha saído a ela em muitas coisas, no gênio bom principalmente. Escovava os cabelos dela como nunca mais ninguém conseguiu fazer, trançava, pegava do pescoço para cima com uma delicadeza, deixava que ela pintasse suas unhas, sentasse no seu colo. Contava histórias divertidas do tempo da escola, do cartório, do Sion, da casa.
Na casa, desde sempre, quando não precisava cuidar da tabuada ou dos coletivos, brincava de circo com as crianças debaixo da parreira: era a Mágica, a pipoqueira e a platéia. Em julho fazia fogueira, enfeitava o quintal com bandeirinhas, contratava um sanfoneiro e convidava os amiguinhos para soltar umas bombinhas de São João. Parava charretes ou carros de boi e pedia se podia levar os netos "só até ali". Tricotava gorros para todos. Botava uma mesa de lanche como ninguém.
No final das contas, com os netos criados, virou um docinho de avó, daquelas que os olhinhos brilhavam quando o rapazinho chegava para o final de semana ou quando a neta chegava do hospital depois de uma noite inteira. Quando eles saíam, ela ia pra janela do 12º andar para esperar que eles virassem e abanassem a mão. E lá ficava ela rezando o Salmo 90 e pedindo por eles.
Foi uma mulher de fibra, essa Maria, como tantas. Mas essa foi especial.


Foi essa quem nos ensinou também a andar de cabeça erguida, para frente; que orgulho e altivez são coisas completamente diferentes, mas que podem ser confundidas facilmente; que o caminho realmente não é fácil, mas dá pra ir; que canto de vó é a melhor coisa do mundo; que ficar de castigo atrás da porta não mata e que pode até ser divertido; que sacrifício por quem a gente quer bem não é tanto sacrifício assim. Que coração é terra que ninguém pisa; que dá prá ser dura e ser leve.
Ensinou que apesar de tudo, a vida vale a pena, que não dá prá fugir de problemas, mas sim olhar dentro dos olhos deles e pensar " estou pronta".
Era porreta essa Maria de Lourdes.
Tenho saudades dela, mas ela está dentro de mim e é parte de mim. Somos parecidas em muita coisa, para o bem e para o mal.
E tenho muita alegria de poder ter convivido com essa avó maravilhosa!

Beijos,
Lela.


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                       1 ano!!
                     
     







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