Nunca pensei que minha mãe fosse morrer tão rápido.
Imaginei que ela ficaria uma velhinha amalucada, esquecida, alegrinha...
Nunca perdi a esperança de ver minha mãe feliz; , mesmo sabendo que sua morte começou no dia da morte do meu pai e que o peso das tristezas sofridas ao longo de sua vida saíam por todos os seus poros. As coisas não superadas foram muitas, maiores que as felicidades.
O olhar prá trás da mamãe era doído, dava quase prá sentir as dores dela, os abandonos, os desencontros, os enganos...
Fui uma filha brigona, eu sei... Rude ao falar por muita vezes, na tentativa que a minha rudeza acordasse a mamãe; que fizesse com que ela visse que aquilo tudo tinha passado. Que ela estudou, trabalhou, casou com o amor da vida dela, teve filhos e conseguiu que eles fossem educados. Teve netos... Mas mesmo sorrindo,ela tinha uma tristezinha. Era um meio sorriso,nunca uma gargalhada. Isso às vezes irritava, frustrava, entristecia. "Que mais eu posso fazer, meu Deus?"
Mas apesar do meu jeitinho "doce", tentei de todos os modos ser uma boa filha.
Adorava estar com ela, sair com ela, falar no telefone, deitar na cama com ela, implicar com o óculos sujo ou com a alça do sutiã, ajudar a escolher suas roupas, montar a Árvore de Natal. Adorava saber que quando ela estava aqui, não tinha que me preocupar com o dever de casa.
Aí um dia, ela me contou que foi fumante por mais de 20 anos. Hã? A minha mãe!! Não, impossível. Porque nunca vi, cheirei, desconfiei... Foi escondido, para que meu irmão e eu não tivéssemos mau exemplo. Coisa mais ridícula!! Mas ela era assim, culpada. Não posso mudar o que ela foi e agora que não posso mesmo.
A notícia que ela tinha câncer não me pegou de surpresa, a rapidez com que ela foi consumida por ele,sim. Tão logo recebeu a notícia, o seu estado mental piorou a olhos vistos e ela simplesmente apagou esse assunto. Foram tantos remédios para amenizar suas dores, a única coisa possível no estado em que se encontrava, que ela saiu do ar. Não tinha dor, mas tinha todo o resto.
Não tínhamos mais o que fazer, a não ser estar ao lado dela até que sua hora chegasse. Fomos amparados pela família, pelos nossos amigos e pela tão querida "rede velhinha".
A rede velhinha era o grupo de amigas dela, da escola, do trabalho, do prédio, da vida, que foram incansáveis no hospital fazendo revezamento de visitas, ouvindo as coisas sem anexo que ela dizia no
fim, encorajando- nos, chorando conosco quando chegou o fim. Também tive muitos amigos queridos ao meu lado, fisicamente ou não e meu irmão também.
Os netos, meus filhos, estiveram com ela e a última coisa que ela comeu foi dada pelas mãos do Miguel. As crianças ficaram assustadas e muito tristes, mas tinham o direito da despedida e fizeram da maneira que deram conta.
Quando mamãe morreu eu não estava ao lado dela, mas ela não estava sozinha ou apartada de nós. Meu irmão esteve lá até o final e eu tenho inveja dele por isso.
Não pedi desculpas pelas brigas, pelos maus modos, pela impaciência. Não agradeci por todas as vezes que ela me botou prá estudar, que ligou por nada,que foi tagarelando ao telefone enquanto eu dirigia, que me encorajou a continuar, que me disse que eu era capaz, que me disse que eu não era todo mundo...Por todas as vezes que eu quis desistir de tudo e continuei por causa dela. Sim, eu tinha verdadeiro pavor de desapontar a mamãe, que ela ficasse decepcionada comigo por qualquer motivo.
Nos últimos dias, a única coisa que conseguia era falar que eu a amava, fazer massagem nos seus pés, dar beijos no seu rosto magrinho. Só.
Tenho saudade, tenho um buraco no peito, tem dias que não tenho vontade de levantar. Todos os dias, ao acordar a primeira coisa que penso é que não tenho mais mãe, que não vou ouvir a voz dela me chamando de "Presentinho".
Vai passar, vai mudar, vai virar outra coisa. Certamente que sim, mas por agora não.
Vovó, já velhinha, deitada ao meu lado, disse muitas vezes que não tinha inveja de ninguém, mas aí parava e fazia uma ressalva: "Só tenho inveja de quem tem mãe."
Eu também,vó... Eu também.
Leia também:Casa
E o que você fez?
Você não sabe quanto eu caminhei
Silencio
Imaginei que ela ficaria uma velhinha amalucada, esquecida, alegrinha...
Nunca perdi a esperança de ver minha mãe feliz; , mesmo sabendo que sua morte começou no dia da morte do meu pai e que o peso das tristezas sofridas ao longo de sua vida saíam por todos os seus poros. As coisas não superadas foram muitas, maiores que as felicidades.
O olhar prá trás da mamãe era doído, dava quase prá sentir as dores dela, os abandonos, os desencontros, os enganos...
Mas apesar do meu jeitinho "doce", tentei de todos os modos ser uma boa filha.
Adorava estar com ela, sair com ela, falar no telefone, deitar na cama com ela, implicar com o óculos sujo ou com a alça do sutiã, ajudar a escolher suas roupas, montar a Árvore de Natal. Adorava saber que quando ela estava aqui, não tinha que me preocupar com o dever de casa.
Aí um dia, ela me contou que foi fumante por mais de 20 anos. Hã? A minha mãe!! Não, impossível. Porque nunca vi, cheirei, desconfiei... Foi escondido, para que meu irmão e eu não tivéssemos mau exemplo. Coisa mais ridícula!! Mas ela era assim, culpada. Não posso mudar o que ela foi e agora que não posso mesmo.
A notícia que ela tinha câncer não me pegou de surpresa, a rapidez com que ela foi consumida por ele,sim. Tão logo recebeu a notícia, o seu estado mental piorou a olhos vistos e ela simplesmente apagou esse assunto. Foram tantos remédios para amenizar suas dores, a única coisa possível no estado em que se encontrava, que ela saiu do ar. Não tinha dor, mas tinha todo o resto.
Não tínhamos mais o que fazer, a não ser estar ao lado dela até que sua hora chegasse. Fomos amparados pela família, pelos nossos amigos e pela tão querida "rede velhinha".
A rede velhinha era o grupo de amigas dela, da escola, do trabalho, do prédio, da vida, que foram incansáveis no hospital fazendo revezamento de visitas, ouvindo as coisas sem anexo que ela dizia no
fim, encorajando- nos, chorando conosco quando chegou o fim. Também tive muitos amigos queridos ao meu lado, fisicamente ou não e meu irmão também.
Os netos, meus filhos, estiveram com ela e a última coisa que ela comeu foi dada pelas mãos do Miguel. As crianças ficaram assustadas e muito tristes, mas tinham o direito da despedida e fizeram da maneira que deram conta.
Quando mamãe morreu eu não estava ao lado dela, mas ela não estava sozinha ou apartada de nós. Meu irmão esteve lá até o final e eu tenho inveja dele por isso.
Não pedi desculpas pelas brigas, pelos maus modos, pela impaciência. Não agradeci por todas as vezes que ela me botou prá estudar, que ligou por nada,que foi tagarelando ao telefone enquanto eu dirigia, que me encorajou a continuar, que me disse que eu era capaz, que me disse que eu não era todo mundo...Por todas as vezes que eu quis desistir de tudo e continuei por causa dela. Sim, eu tinha verdadeiro pavor de desapontar a mamãe, que ela ficasse decepcionada comigo por qualquer motivo.
Nos últimos dias, a única coisa que conseguia era falar que eu a amava, fazer massagem nos seus pés, dar beijos no seu rosto magrinho. Só.
Tenho saudade, tenho um buraco no peito, tem dias que não tenho vontade de levantar. Todos os dias, ao acordar a primeira coisa que penso é que não tenho mais mãe, que não vou ouvir a voz dela me chamando de "Presentinho".
Vai passar, vai mudar, vai virar outra coisa. Certamente que sim, mas por agora não.
Vovó, já velhinha, deitada ao meu lado, disse muitas vezes que não tinha inveja de ninguém, mas aí parava e fazia uma ressalva: "Só tenho inveja de quem tem mãe."
Eu também,vó... Eu também.
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E o que você fez?
Você não sabe quanto eu caminhei
Silencio
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