quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Vou dar conta

Posso voltar a ser feliz, eu sei que posso.
Não posso fazer um novo começo, mas posso interferir no meio e mudar o fim.
Com remedinho ou sem, porque não tenho preconceito.
Depressão é doença e deve ser tratada como tal. E não é vergonha nenhuma.
Na verdade ela já dava sinais de que iria me pegar, mas eu ignorei. Como ignorei tantas coisas ao longo da vida. Ignorei não, fiz que não vi por fora e chorei por dentro; como só os muito fortes ou os muitos loucos sabem fazer.
Nunca fui de mostrar minhas fragilidades. Sempre fui a que se virou, que deu jeito, que teve ideias, que tomou a frente, que resolveu. Fiz tanto isso que realmente achei que pudesse fazer isso para todo o sempre. Quando não dava conta, fingia que dava; e fingi tão bem que passei a vida ou dando conta ou fingindo. Que sorte a minha...
Dei conta de estudar, de ir buscar meu irmão na escola, de ser a mais velha, de usar botas ortopédicas, de fazer ballet, de não ter aptidão com qualquer tipo de esporte, de não chorar na frente dos outros, de refazer meus sonhos uma centena de vezes... Dei conta de ter amizades rompidas, namoros desfeitos, poucos amigos, engordar, emagrecer... De ter peito grande, de ser a última da fila, a última e ser escolhida pro queimado. E o meu pensamento sempre foi: Não ligo, não queria mesmo!
Dei conta de mudar de cidade, de não ter emprego, de arrumar emprego, de ter dois filhos e entre eles um aborto por doença. Dei conta de amamentar, de trabalhar. Dei e dou conta de criar meus filhos junto com meu marido.
Dei conta de ver meu irmão ir embora de casa tão cedo na vida, de enterrar meu pai.


Mas muitas vezes eu liguei. Muitas vezes eu teria gostado de uma segunda olhada e uma simples pergunta: Tá tudo bem? Ouvi muito pouco essa pergunta e com isso não me dei o direito de pedir ajuda. E nunca soube como pedir, não sei como fazer, só sei andar.
Tenho andado feito um zumbi em 2015. Minha trombose, minha demissão, a morte da Dóris, a doença e a morte da mamãe. Cansei de dar conta! Não consegui mais... Não queria mais... Quem quiser que fosse lá fazer minhas coisas, porque não ia mais fazer nada.
A primeira coisa que disse ao médico ao ser perguntada o que eu tinha ido fazer lá foi: Minha mãe morreu e eu não sei o que fazer... Isso depois de chorar baldes na frente dele.
Realmente não sabia o que fazer, como tem muitos dias em que ainda não sei. Mas estava insuportável: uma dor rasgando por dentro, me queimando. Não conseguia mais dar bom dia, nem trabalhar, nem conversar. Só conseguia pensar que não tinha mais mãe e que era prá nunca mais.
Nunca mais vê-la, abraçá-la, cheirá-la, dizer que ela era a minha Adelaidinha. Meu telefone ficou mudo. Disso eu não dei conta. Eram noites inteiras sem dormir pensando no que fazer, por onde (re)começar e até perceber que não estava dando conta foram quase 2 meses inteiros.
O óbvio diagnóstico foi depressão. Afastamento do trabalho. Remédio.Terapia. Descanso. E assim fiz.
E assim venho fazendo. Remedinho (dane-se!!), longas conversas, longos silêncios , apoios esperados e inesperados (Mets, vocês são bárbaros!!!), abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim.
Já desentupi um pouco e comecei a falar e isso talvez seja um bom começo. Ainda não sei pedir nada, mas posso aprender. Afinal, vai ser só mais uma coisa que vou aprender a dar conta: de pedir ajuda.




Leia também:Mãe
                      Uma ano
                      Passa Tempo
                      Irmãos




3 comentários :

  1. Gabizinha, sei que palavras não ajudam muito nesse momento, mas ao ler as suas, lembrei muito de uma situação que vivi e de alguma forma ainda vivo com uma pessoa muito proxima a mim. Vc vai dar conta e vai passar.Com ajuda de bolinhas sim, porque nao? Afinal elas existem pra isso...mas não se esqueça nunca que somos humanas e não super mulheres, como tentamos ser muitas vezes, a vida toda. Fique bem, coragem e se cuide!!! Muitos bjs, Xuca

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  2. Sabe Gabriela.. Eu tbm as vezes me sinto assim...despida da fantasia de mulher maravilha....sem rumo..perdida na vida emas tenho aprendido a pedir ajuda...a não me cobrar mais do que posso dar...isso não me afasta de vez do estresse ou da depressão... Mas me mantém respirando até que a nuvem passe. Tenho aprendido a deixar a minha nas mãos de Deus e é engraçado porque ele sempre dá uma solução... Fiquei mais leve. Divido com ele a responsabilidade pela minha vida! E os amigos são anjosbque Ele coloca para nos dar as mãos.... Aproveite!!!

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  3. Gabi, vc vai dar conta sim! É difícil desmoronar qdo todos esperam uma fortaleza. É absurdo ouvir das pessoas que a gente não elaborou o luto. Isso me revolta. As noites sem dormir, as trocas do dia pela noite, a vontade de não fazer nada, não sair da cama, a dor, o não saber encadear o pensamento, não ter vontade de nada e saber que ainda assim as pessoas acham que é uma enorme dramatização se repete mais do que imaginamos. Se serve como exemplo de alguém que passou por algo bem parecido, fui criticada por largar emprego, vida pessoal, amigos, tudo para viver os últimos momentos com minha mãe. Precisei estudar, enfrentar médicos, discutir a evolução da doença, me envolver em um ramo bem distante do jornalismo. Era uma tentativa de salvação, mesmo entendendo o destino da doença. Diagnosticava as infecções sem esperar a cultura, controlava plaquetas como quem controlava o ar que respirava. E tanto coisa mais. Fui acusada de comprar um pouco mais de vida aceitando as ilusões milionárias dos mais renomados oncologista, infectologistas, radiologistas. Qdo tudo acabou, achei que ia junto. Não consegui muita ajuda, mas posso dizer que forma muitas bolinhas e as vezes ainda são, muitas histórias, um engatinhar de vida como aquele de um bebê. Mas é possível. E a fórmula que eu encontrei foi viver com minha mãe como se ela ainda aqui estivesse. Aos poucos pequenas coisas passam a causar sensações de alívio. Como não tenho filhos, o trabalho e minha viagens começaram a causar efeito, maior do que os remédios. Enfrentar a verdade é o começo para a felicidade. Vc sempre foi ligada com sua mãe e esse tipo de relação é rara. Daí entender que estranho seria se tudo tivesse passado e vc continuado sem interrupção. Seu anterior foi emocionante e me fez lembrar dos bifes paris que ela fazia ainda no Méier, do macarrão delicioso da José Bonifácio, das chamadas quando chegava o tempo das provas, do controle em cima de vc qdo os cadetes te paqueravam. Lembra? Essa somos nós, que vivemos muita felicidade e tb tempos arredios ao lado delas, mas com um infinito baú de lembranças. Vc tem filhos lindos, educados, que cresceram com os valores passados por sua vozinha, mãe, pai. Como não reconstruir a felicidade? Tenho certeza que vc será muito feliz. Um beijo muito carinhoso. Clau

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