domingo, 31 de janeiro de 2016

Arrumando a casa e encontrando coisas

Nessas férias tive a missão de, finalmente, começar a arrumar a Casa Azul. Acho que foi o maior momento desapego pelo qual já passei, mas não foi tão difícil como pensei que pudesse ser... Bom, pelo menos até aqui.
Muito papel, quinquilharia, terços partidos, santinhos quebrados, apostilas... Meias, pijamas, as tais coisinhas miúdas.
Lembranças dos pais, avós, dos filhos e dos netos. Quadrinhos com "Eu te amo, vovó" são vários. Cartões, cartas de despedida, fotos. Lenços. Lembranças de uma vida inteira ocupando uma casa de várias vidas.
Mas chegou a hora de mudar. Novos ares, novos donos, novas manias vão comandar essa casa e para isso vai ser necessária uma adaptação de todos. Vamos empregar o termo "Sob Nova Direção" bastante e aos poucos todos vão se acostumar com a ideia, inclusive meu irmão e eu.
Fui guiada por uns sentimentos: desocupar, arejar, desencalhar, rearrumar. Redecorar tudo que for possível no momento e de uma coisa tenho absoluta certeza, passado uns dias de trabalho: falta cor. É pastel. Acho que eu queria uma casa mexicana, de cores terrosas, fortes, daquelas que acordam todo mundo, mas por enquanto não vai ser possível. Então daqui há algum tempo vou apostar nos sofás reestofados e reformados e em mantas. Vai dar certo. Preciso só de tempo (e de dinheiro, evidente).
Mas nesses dias descobri não só coisas que foram da minha mãe. Um dos armários está lotado de gibis que são do Jayminho: X-Men, Demolidor, Visão, Homem Aranha... A criatura vai fazer um dinheirinho no Mercado Livre.
Achei meu caderno de redação, provas da época do colégio, minhas Fofoletes e as minhas sapatilhas. Minhas sapatilhas de ballet estavam guardadas há quase 30 anos com a mamãe. Estão um pouco desbotadas, mas a ponta está perfeita. Não resisti e calcei. Ana ficou eufórica; tenho a sensação que ela achava que não era verdade que eu pudesse ter um dia calçado sapatilhas. Subi na ponta e doeu. De verdade! Meu pé não aceitou aquele exercício inesperado, normal. Deu uma saudadinha gostosa.
Se o ballet não tivesse me ensinado nada de bom, o que definitivamente não é verdade, deixou lições valiosas, como andar ereta, sentar ereta e o que quer que aconteça, ficar ereta. A encolher a barriga e encaixar o bumbum...Ensinou a persistencia, a tentar muitas vezes, muitas e muitas.


O balé foi por anos, o que eu gostaria de ter feito na vida: dançar, voar, ficar na ponta... Vi Ana Botafogo dançar no Municipal dezenas de vezes e sempre ficava emocionada com a leveza daquela mulher. Sou muito fã e tenho autógrafo dela guardado.
Fiz uma limpa nos armários, dei uma primeira olhada e em outras coisas não consegui mexer. É lembrança demais para tempo de menos. Quando voltar, tem mais coisa pra mexer e, com certeza, mais lembranças para encontrar.
Mas estou pronta!
Podem vir!

Beijos,
Lela,

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                       Mãe
                       Casa
         


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Maria de Lourdes

Maria de Lourdes nasceu em 1905 numa família que ao todo era de 12 irmãos. Era filha do dono do cartório e de uma senhora que foi professora nesse pequeno distrito de Minas Gerais, São Sebastião da Estrela. Nasceu em casa, como era hábito na época.
Em setembro, dia 29. Dia de São Miguel.
Teve por padrinho o primogênito homem, orgulho da família por ter estudado e virado doutor; tinha verdadeira adoração por ele e pelo nome dele, que considerava lindo, Hordomundi (Isso lá é nome?? O corretor fica tentando corrigir isso e não consegue).
Era muito amiga do irmão imediatamente abaixo dela, Juvenal; e vivia entre tapas e tapas com a caçula, que dizem por aí, era a preferida da mãe e aprontava todas.A irmã mais velha e adorada era Júlia.
Mas eles era muitos: Hordomundi, Maria da Conceição (Cicinha), Sebastião (Tatão), Oraida, Colimério (olha o corretor tentando...), Julia, José, Antônio Carlos, Maria de Lourdes, Juvenal e Maria do Rosário. Um morreu bebezinho, mas era contado como irmão. Então era aquela toada dos mais velhos irem cuidando dos mais novos, assumindo responsabilidades. A diferença entre o primeiro e o último irmão era de mais de 20 anos.
Meninas desde cedo aprendiam as prendas do lar, a bordar, fazer crochê, costurar; e os meninos eram logo engajados em qualquer coisa que pudesse ajudar em casa, porque afinal de contas eram muitas bocas.
Pois bem, o tal do padrinho resolveu que Maria de Lourdes iria estudar numa boa escola; era doutor delegado numa cidade do Sul de Minas e levou a menina para estudar interna em Campanha, no Colégio Sion, local onde moças ricas e finas estudavam. E lá foi ela. Pegou o trem na estação de São Sebastião, depois o ramal e foi baldeando para uma nova e totalmente desconhecida vida, deixando para trás os pais, a amiga Rosa, as brincadeiras na Saudade, a casa, a dindinha Malvina e a irmã que era seu desafeto.
Naquele tempo filho não tinha vontade, criança obedecia e pronto. Mulher não tinha vontade, não tinha direito, não votava, às vezes nem escolhia marido. E numa família pobre, essa oportunidade foi uma dádiva.


Maria de Lourdes aprendeu francês, pintura, piano, além das coisas que iria precisar na pequena São Sebastião. Talvez tenha sido nessa viagem que ela aprendeu a ter coragem. Descobriu Papai Noel no colégio de freiras, vislumbrou uma possibilidade: voar.
Mas as asas foram cortadas. Ao terminar o colégio, recebeu proposta de ser tutora de uma moça de família rica, mas sua mãe não permitiu que ela aceitasse, disse que precisava dela em casa. E ela voltou. Era muito saber prá pouco lugar, mas quem disse que mãe era pra ser desobedecida. Muitos anos depois, alguns irmãos ainda falavam do "crime" do Padrinho: dar aquela educação, abrir um mundo de possibilidades, chegar a abrir a porta da gaiola e quando a passarinha ia voar, fechar de novo a portinhola. Mas é disso que é feita a vida, planos.


Maria de Lourdes voltou. Deu aulas, teve muitos alunos pelas bandas de lá. Amada por uns,por outros nem tanto. Ajudou a mãe, aprendeu o ofício do pai, já que nenhum filho homem ficou por lá. Viu vários sobrinhos nascerem, ajudou o quanto pode a irmã Julia e a cunhada que enviuvou do seu irmão-amigo Juju.
Ela que tinha ido, voltou e ficou. Dizem mesmo que era a filha preferida do pai e a menos preferida da mãe, que nunca se conformou da sua eleita (a caçula) não ter tido a mesma formação.
Casou com Manoel já mais velha, a mãe já havia morrido. Foram morar na casa, junto com o Seu João.Tempos depois veio a filha, mais uma Maria Adelaide para homenagear a mãe falecida, também nascida na mesma casa e no mesmo quarto. E foi a única, por motivos desconhecidos.
Manoel era nervoso e moralista. Havia saído de casa por causa de uma irmã "que se perdeu", havia sofrido uma derrocada nos negócios e na vida e acabou herdando o cartório quando do falecimento do Seu João, anos mais tarde e esse era seu ofício junto com a esposa.
A vida fez Maria de Lourdes ser forte, trabalhar, ajudar, apoiar, mas essa fortaleza foi traída mais uma vez, agora pelos pulmões: Tuberculose.
Tuberculose já havia matado Juju, e agora a levava para um sanatório, para longe da única filha, que foi entregue a parentes e nunca conseguiu superar as coisas que vivenciou enquanto a mãe esteve doente. Mas ela ficou curada.
Mais uma vez conseguiu e deu uma volta no destino. E voltou.
Maria Adelaide ficou, mas com um outro tio, Tatão, sua mulher (a terceira) e com Fernando, um priminho danadinho que cismava que ela se chamava Ié Ié.
Um dia ela enviuvou. 1963. Reviravoltas da vida levaram de vez Maria de Lourdes para longe de São Sebastião, agora Estrela Dalva. Sem o cartório, sem pensão do marido que não chegou a ser aposentado, ela mais uma vez saiu. O destino dessa vez: Rio de Janeiro.
Eram as duas agora no apartamento alugado no Engenho de Dentro: a mãe e a filha; pela primeira vez em muito tempo.
Daí para outro apartamento, próprio. Depois para São Paulo, quando Maria Adelaide casou;BH, onde viveram por um ano; e de volta ao Rio com dois netos.
A filha trabalhava,o genro trabalhava e ela ajudava com as crianças. Era muito rígida, muitas vezes rude, como devem ter sido com ela. Mas tinha a responsabilidade de cuidar de filhos que não eram dela; de seguir regras que não foram feitas por ela; num mundo novo, mudado, diferente. Reclamou muitas vezes não ter carta branca para agir como deveria e botar os meninos na linha...Tinha um gênio do Cão.


Tinha adoração pelo neto. Sempre viveu num ambiente masculino, em que teve que se impor e numa época em que mulheres não se impunham. Reclamava que a menina era lerda. Botava prá estudar, levava em natação, balé, inglês;ia às reuniões da escola, esperava o ônibus escolar com os meninos.
Um dia, com os meninos mais crescidinhos, a filha aposentou e assumiu essas responsabilidades. Então ela aposentou também: despiu a capa de tutora e botou a roupa de avó, coisa que fazia apenas de vez em quando durante as férias.
Aí ficou bom para todos os envolvidos: Maria de Lourdes fazia um feijão como ninguém, uma goiabada!! Dava cantinho para a neta, que revelou que não era tão lerda assim e tinha saído a ela em muitas coisas, no gênio bom principalmente. Escovava os cabelos dela como nunca mais ninguém conseguiu fazer, trançava, pegava do pescoço para cima com uma delicadeza, deixava que ela pintasse suas unhas, sentasse no seu colo. Contava histórias divertidas do tempo da escola, do cartório, do Sion, da casa.
Na casa, desde sempre, quando não precisava cuidar da tabuada ou dos coletivos, brincava de circo com as crianças debaixo da parreira: era a Mágica, a pipoqueira e a platéia. Em julho fazia fogueira, enfeitava o quintal com bandeirinhas, contratava um sanfoneiro e convidava os amiguinhos para soltar umas bombinhas de São João. Parava charretes ou carros de boi e pedia se podia levar os netos "só até ali". Tricotava gorros para todos. Botava uma mesa de lanche como ninguém.
No final das contas, com os netos criados, virou um docinho de avó, daquelas que os olhinhos brilhavam quando o rapazinho chegava para o final de semana ou quando a neta chegava do hospital depois de uma noite inteira. Quando eles saíam, ela ia pra janela do 12º andar para esperar que eles virassem e abanassem a mão. E lá ficava ela rezando o Salmo 90 e pedindo por eles.
Foi uma mulher de fibra, essa Maria, como tantas. Mas essa foi especial.


Foi essa quem nos ensinou também a andar de cabeça erguida, para frente; que orgulho e altivez são coisas completamente diferentes, mas que podem ser confundidas facilmente; que o caminho realmente não é fácil, mas dá pra ir; que canto de vó é a melhor coisa do mundo; que ficar de castigo atrás da porta não mata e que pode até ser divertido; que sacrifício por quem a gente quer bem não é tanto sacrifício assim. Que coração é terra que ninguém pisa; que dá prá ser dura e ser leve.
Ensinou que apesar de tudo, a vida vale a pena, que não dá prá fugir de problemas, mas sim olhar dentro dos olhos deles e pensar " estou pronta".
Era porreta essa Maria de Lourdes.
Tenho saudades dela, mas ela está dentro de mim e é parte de mim. Somos parecidas em muita coisa, para o bem e para o mal.
E tenho muita alegria de poder ter convivido com essa avó maravilhosa!

Beijos,
Lela.


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                       1 ano!!
                     
     







segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Rotulando o meu Depósito

Hoje alguém me perguntou sobre o que costumo escrever, se era um blog sobre Medicina. A resposta veio rápida: "Lógico que não!" . Não me julgo capaz de escrever seriamente sobre o meu trabalho. Aí esse espaço que é tão importante em minha vida deixaria de ser ilusão, brincadeira, desabafo e viraria obrigação. Não, não... Nunca foi esse meu objetivo.
Depois desse pequeno diálogo fiquei pensando que nunca soube responder a essa pergunta. Sobre o que falo? Para quem falo? As respostas vieram transbordando, escapulindo da minha cabeça e vieram bater bem aqui. No blog, com esperança de que ,talvez, alguém possa me esclarecer.
Falo da minha vida, das minhas observações e opiniões, dos meus gostos, dos meus olhares, das minhas dores, do meu silêncio...É  essencialmente um blog egoísta, é minha terapia. 
É de moda? Só se fosse para reclamar da pesudo moda que fazem para as pessoas plus size, a maioria ridícula; e como viro escrava dos lugares que possuem roupa pra mim... Então não é.
É de maquiagem? Embora adore, e com certeza faria minha filhota muito feliz, também não... Não tenho tempo, dinheiro e muitas vezes disposição. Mas um conselho aprendido e executado como a rotina de escovar os dentes, posso dar: rosto lavado com sabonete para pele oleosa e filtro solar. Rosto lavado à noite, maquiagem retirada e pronto.
Pausa para a piadinha: Há uns dois anos, fiz uma consulta com uma dermato- amiga ou amiga- dermato. Perguntinhas de sempre: lava o rosto? Sim. Usa filtro solar? Sim. Quando começou a prevenção anti rugas? Gelei...Oi?? Tinha que prevenir, Carol? É Gabi, tinha... A partir dos 25 anos. Ops, então fud..., quer dizer ferrou. Estou quase 20 anos atrasada. Confesso que usei religiosamente o troço por um tempo, mas é tão caro que ando preferindo ficar enrugada.


Voltando...
Não é sobre celebridades, spoilers de filmes, tutoriais para passar de fase no Candy Crush... Nada disso. Falo sobre a vida, a minha. Dos meus filhos, da minha normalidade, das minhas aflições, minhas manias. Então deve ser uma coisa muito sem graça, banal.
Já tinha pensado uma vez que deveria mudar o nome desse blog para "Banalidades da Lela". Mas eu gosto do "Depósito"... Apeguei. Meus amiguinhos e incentivadores gostam.
Mamãe nunca leu, acreditam? Isso me chateava bastante, queria que ela tivesse lido alguma coisa e criticasse, mas acho que ela não sabia o que era e não se interessou porque era no computador. Vou ter que conviver com a frustração/ curiosidade de saber a opinião dela. Não sei com que frequencia meu irmão lê. Tenho elogios de pessoas que são importantes na minha vida. Mário gosta, mas hoje em dia não comenta comigo e nem dá seu veredito. Meus meninos não falam nada, só costumam ficar do lado lendo os rascunhos e perguntando o significado de algumas palavras.
Jamais falaria sobre política e economia. Entendedores entenderão... (rsrsrs)
Não faria um blog sobre Pediatria. Não aguento quem lê o Dr. Google e acha que tem um diploma na mão; não suporto mães reclamando de pronto atendimento lotado e que leva o filho até lá porque está com febre há menos de 12 horas e nem sequer mediu a temperatura do pobrezinho; quem diz que virose é pra quando o médico não sabe o que a criança tem; ou que já chega pedindo RX e receita de antibiótico para tosse. Seria um desastre completo esse blog! Eu seria queimada em praça pública e, sinceramente, não quero não.
Não sou ferrenha defensora do parto normal. Sou defensora da responsabilidade do médico com as vidas que estão ali: mãe e filho. O que for melhor para os dois. Sem interferências externas como as da política, estatística e para ficar bem na fita. O que fazem hoje com as mães que parem (sim, o verbo é PARIR, 3º conjugação) através de cesariana é desumano e desrespeitoso. É bullying, preconceito... É feio.
Tive duas cesáreas e não sou menos mãe porque não entrei e fiquei em trabalho de parto por horas (até entrei, né Teca?) e ai de quem ouse dizer isso na minha frente! Esperei pelo parto normal do Miguel, mas com uma pressão arterial 190/ 120, a decisão deixou de ser minha. " Vai internar agora, viu doutora? Vamos fazer agora! " O que eu podia dizer, que não tinha feito escova no cabelo? " Sim senhora, doutora, vamos". O que eu poderia fazer com a Ana que adiantou 2 dias e me fez entrar em trabalho de parto de madrugada, já com a cesárea marcada. "Nasce agora não, filha...A vovó só chega hoje de noite e a mamãe não depilou nem fez as unhas?" Nasceram ótimos, saudáveis, chorões e maravilhosos, como são até hoje.
Então, meu blog é sobre banalidades; sobre uma vida comum; sobre erros e acertos; sobre amor de mãe, de mulher, de filha, de irmã, de amiga e de profissional.
E só.

Beijos,
Lela

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