Querida amiga,
Ontem fez 3 anos que você foi embora. Escolheu um feriado, pois sabia que a cidade estaria cheia e seria grande a surpresa de todos os seus amigos.
Eu estava lá.
Acordei no sábado com o Mário me olhando esquisito; tinha acabado de chegar em Estrela tendo deixado meu pai grave no CTI; e quando ele entrou no quarto dizendo que tinha que conversar pensei logo: "Meu pai morreu...". E ele não falou nada, ficou passando a mão na cabeça e escolhendo as palavras. Por fim ele resolveu abrir a boca e dizer que você havia passado mal em Juiz de Fora. Levantei correndo e perguntando se ele poderia me levar até lá, já que você poderia estar precisando de alguma coisa... Mário disse que não ia precisar porque você já estava em casa. "Menos mal, vou até lá...", pensei. Corta para o Mário, que me olhou de novo com olhos de nada: "Gabriela, a Patricia morreu..."; e chorou.
Como assim, você morreu?? Era o meu pai em estado grave, não você. Aí você vai, termina de subir uma escada e ...
No primeiro segundo pensei que fosse alguma brincadeira muito da sem graça, mas o choro do meu marido não deixou dúvidas.
Levantei, troquei de roupa, engoli qualquer coisa, vi alguns pares de olhos me olhando calados pela casa e recebi abraços dos meus filhos. Acho que eles não sabiam muito bem o que significava morrer, mas mesmo assim ficaram quietinhos, tristinhos e solidários.
Saí para a sua casa, sem chorar, e ainda um pouco sem acreditar. A ficha caiu quando o carro virou na sua rua e sua porta estava abarrotada de gente. Tantas pessoas talvez com o mesmo pensamento que eu. Amigos, parentes, antigos amores, idosos, crianças, todos querendo entender e como eu, acreditar.
Ao entrar na sua casa, duas amigas vieram correndo me abraçar e eu fiquei lá com uma de cada lado chorando. Agarradas as três e eu só pensando que aquilo era um pesadelo, que eu não estava vendo aquela cena, que aquela sala que fiquei por tantas vezes rindo e falando bobagens, que também presenciou as mortes de sua avó e de seus pais, agora era cenário do seu velório.
Quando saí do abraço das amigas, consegui chegar perto de você. Patricia, você quase ria, sorria . De onde quer que você estivesse deve ter ficado feliz de ver quantas pessoas foram se despedir.
Sua casa era tão familiar. A cozinha onde almoçamos tantas vezes, a varanda dos fundos onde jogamos conversa fora e sofremos juntas, o banheiro, o jardim que você tinha que limpar para que somente depois você pudesse ir medir a rua junto comigo... Seu quarto... Em todos os cômodos da casa tinha gente e minha vontade era de gritar para que todos fossem embora, porque só as amigas de verdade podiam ficar, para ficar com você uma última vez. Mas você era tão legal, tão divertida, que não era só nossa, era um pouco de cada um dos que estavam ali...
Abracei seu irmãos, e recebi deles abraços fortes e apertados, não vi seu filho que foi estrategicamente retirado da casa.
Em determinado momento puxei uma cadeira e me sentei ao seu lado.Peguei sua mão e conversei com você. Pedi desculpas de novo pelos tempos de afastamento, por nunca ter ido te visitar em Juiz de Fora, por não ter insistido por você vir aqui... Aí eu chorei quietinha, de saudade antecipada.
Era muito fácil gostar de você, Patricia... Engraçadérrima, desbocada, indiscreta, era um pouco o meu alter ego. Apesar de todas as dificuldades, nunca ouvi você reclamar e nem me pedir nada... Só exames para o Pedro e vermífugo.
Passados 3 anos, ainda tenho dificuldade em passar na sua porta. No Carnaval, tinha a impressão que você ia aparecer no meio da galera dançando "Lepo Lepo"e mandando beijinho no ombro para as recalcadas de plantão.
De vez em quando ainda sonho que estamos conversando juntas em Estrela e que você novamente me dizia, como disse da última vez, que o dia que voltasse para Estrela Dalva ia ser para ficar de vez; ou então você estava novamente reclamando da música "deprimente" do Fantástico, que sinalizava o final do final de semana, ou das férias, dos feriados...
Lembro de quando andávamos de bicicleta pelo meio da 393 e você saía cantando bem alto, gritado mesmo: "... e o meu coração embora, finja fazer mil viagens, fica batendo, parado, naquela estação...".
O nosso que ficou... O seu trem adiantou o horário.
Fique em Paz, querida.
Muitas saudades,
Lela.
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